Jochen Volz, diretor da Pinacoteca em São Paulo, e Johan af Klint da Fundação Hilma af Klint

 

Pela primeira vez 130 obras de Hilma af Klints serão exibidas na Amércia do Sul. A exposição será inaugurada no dia 3 de março na Pinacoteca de São Paulo e estará em cartaz até o dia 16 de julho de 2018. Na ocasião desta oportunidade fantástica de ver arte sueca no Brasil o Consulado fez uma entrevista exclusiva com Johan af Klint e Hedvig Ersman da Fundação Hilma af Klint. Johan af Klint é sobrinho-neto de Hilma af Klint.

Mais informações sobre a exposição.

Conte um pouco para os nossos leitores sobre quem era Hilma af Klint, por favor!

Hilma af Klint pertencia à uma das primeiras gerações de mulheres que estudaram na Academia Real da Arte em Estocolmo. Era de uma família de oficiais da marinha e cresceu em Estocolmo e na ilha Adelsö no lago Mälaren.

Após os estudos ela tinha um ateliê num lugar conhecido como “A Casa dos Ateliês” na esquina entre a rua Hamngatan e Kungsträdgården em Estocolmo. O prédio era o centro cultural daquela época em Estocolmo com a Cafeteria e Salão de Arte Blanchs no térreo. Este foi o lugar da batalha entre os tradicionalistas da Academia Real da Arte e a oposição da Associação Nacional dos Artistas com inspiração francesa.

Até completar 40 anos de idade Hilma af Klint era uma artista clássica, principalmente pintando retratos e paisagens, e também desenhava para estudos botânicos e outros pedidos.

Hilma af Klint começou a se interessar pelo mundo espiritural cedo. O Ocidente estava passando por uma revolução industrial e de conhecimento e muitos sentiam uma necessidade de alimentação espiritual e/ou religiosa como um contraponto. Espiritismo e espiritualismo eram práticas comuns.

Hilma af Klint foi ativista dentro do movimento Rosa-Cruz, da teosofia e mais tarde da antroposofia. Juntou-se com quatro outras mulheres em 1896 e criou um grupo chamado “As Cinco” que realizava reuniões espirituais. O grupo considerava que estavam em contato com seres espirituais que chamavam “Os Elevados”. Após 10 anos de exercícios esotéricos dentro do formato das Cinco Hilma af Klint sentiu que foi escolhida pelos Elevados a realizar uma grande tarefa. Ela devia fazer as “Pinturas para o Templo”. Este trabalho, que a ocupou entre 1906 e 1915, ia mudar a sua vida. A arte que ela desenvolveu não tinha nada em comum com algo que ela tinha pintado ou até visto. Hoje em dia chamamos de abstracionismo, mas na época era uma nova forma de arte.

Não há fundamentos para alegar que Hilma af Klint estava envolvida na teoria do abstracionismo, desenvolvida pelos seus colegas masculinos, ou que ela de alguma forma participou no desenvolvimento do Modernismo no resto do continente europeu, mas mesmo assim ela chegou a criar uma forma de arte semelhante e sem objetos concretos.

As ”Pinturas para o Templo” contêm 193 quadros, divididos por várias séries e subgrupos. Juntos são uma das primeiras obras abstratas no Ocidente.

Quando foi finalizada a série das “Pinturas para o Templo” ela pintou análises do mundo ao redor de forma abstrata e em formatos mais amplos e variados tematicamente durante os anos de 1916-1920.

Hilma af Klint entendeu que sua obra era única. Tinha uma visão que sua arte ia contribuir para influenciar a consciência humana e eventualmente a sociedade inteira. Considerava, porém, que o tempo não estava maduro na época.

Quando Hilma af Klint faleceu no outono de 1944 ela deixou mais do que 1200 obras não configurativas que nunca tinham sido mostradas para alguém de fora e 124 livrinhos com anotações. Anexo ao testamento estipulou um prazo de 20 anos após sua morte para que suas obras pudessem ser exibidas publicamente.

Há algo que faz com que sua arte seja especialemente relevante na sociedade de hoje?

O fato de Hilma af Klint – uma pessoa obediente, solteira e uma artista independente e inovadora do início do século passado – nunca ter mostrado suas obras para alguém de fora do seu grupo e ter estipulado que não podiam ser exibidas até completar 20 anos da sua morte, é fascinante e também triste. Considerava que o mundo do seu tempo não estava preparado para receber a sua arte, mas esperava que o futuro estaria. A apreciação que recebe hoje em dia mostra que provavelmente estava certa. O futuro é agora.

A nossa sociedade passa por uma revolução, onde a posição da mulher tem sido fortalecida consideravelmente. O movimento #metoo dos últimos meses claramente mostrou que há muito a ser mudado até a sociedade ser realmente igualitária. Deste modo é emocionante descobrir que uma mulher longa lá em cima na Escandinavia desenvolveu arte não configurativa já em 1906. Hilma af Klint comprovadamente antecipou Kandisky com vários anos, mas ele normalmente é apontado como o primeiro que pintou arte abstrata. Este fato traz consigo uma revolução da redação comum da história, tradicionalmente dominada por homens.

Hilma af Klint não é a única artista que atualmente recebe atenção. Muitos outros talentos femininos, não só dentro da arte, aparecerão da amnésia da história.

Também acho que ficamos curiosos pelo fato de Hilma af Klint ter considerado que sua arte retratava uma outra realidade do que a imediatamente visível e que esta realidade ia transmitir mensagens de outras dimensões.

Em nossa sociedade secularizada no Ocidente perdemos o contato com o espiritualismo. A religião e a crença em poderes sobrenaturais nós recebemos com ceticismo. Consideramos mais como uma ameaça do que algo positivo e muito menos como algo libertador. Porém, as questões de crença são frequentemente discutidas, tanto na mídia como entre gente de modo geral. Isto porque vivemos num mundo globalizado onde a nossa cultura secularizada enfrenta outras que dão a religão um papel muito mais importanto do que na nossa.

No mesmo momento hoje em dia somos fascinados por nossas telas, como se estivéssemos hipnotizados pelo mundo do outro lado da tela autobrilhante. Nosso encanto com o mundo digital pode ser visto como a fuga do ser humano moderno e conectado para uma outra dimensão.

Portanto, é emocionante descobrir uma artista que, convicta e inibida, se inspirava em outras dimensões em suas obras. Isto é ao mesmo tempo antiquado e muito moderno.

O que mais caracteriza as suas obras?

A arte de Hilma af Klints pode ser interpretada e apreciada em vários níveis.

Para Hilma af Klint o espiritualismo era muito importante. Era a origem das obras, sua essência e “raison d’être”. O intuito era de transmitirem uma mensagem para a humanidade e elas têm um forte elemento de simbolismo. Uma boa parte do simbolismo que ela usava reconhecemos na teosofia. Hilma af Klint também desenvolvia símbolos próprios, tanto em formato como em cores. Os livrinhos de anotações que deixou tratam diretamente o simbolismo e o significado dos quadros.

Mesmo assim Hilma af Klint confessou não estar com a “chave” de interpretação dos seus quadros. Significa que somos livres de ler e interpretar suas obras, cada um da sua própria maneira. Muitos sentem que os quadros se comunicam com eles ou pelo menos que expressam “algo”.

Marcante de um ângulo artístico é a revolução que a arte de Hilma af Klint passou antes de 1906. Sem a fase transitória progressiva que era de se esperar ela progrediu de pinturas agradáveis, metódicas e tradicionais para uma produção totalmente livre e não convencional. A série “Urkaos”, a primeira série abstrata, é pintada com uma força indomável e pinceladas selvagens de uma forma totalmente não acadêmica.

Hilma af Klint trabalhava com uma paleta clara e cheia de pigmentação – hoje em dia apreciada, mas naqueles tempos totalmente nova. Cores como cor-de-rosa, violeta, turquesa, vermelho gritante e laranja forte são caracterizantes.

Tecnicamente o desenvolvimente de Hilma af Klint também é fascinante. Artistas costumavam se especializar numa certa técnica, como se fosse a sua cartacterística. Hilma af Klint pintava em óleo, gouache, tempera, aquarela e com folhas metálicas – muitas vezes usando várias técnicas ao mesmo tempo. Ela estava aberta a testar novas técnicas e formas de expressão durante a vida inteira. Numa fase de vida mais final ela se inspirava nos princípios de arte antroposóficos de Rudolf Steiner e começou a trabalhar com aquarela com cores flutuantes. Hilma af Klint também usava preto como cor, algo que era “proibido” na época.

O tamanho de certos quadros também é espetacular – principalmente os quadros da série “Os Dez Maiores” que têm por volta de 2,40 x 3,20m. Hilma af Klint os pintava com o quadro deitado no chão do ateliê, uma vez que ela não tinha os recursos necessários para pintá-los em pé. Ela mesma tinha que andar pelo quadro para alcancar com a pincela. Em alguns quadros até hoje é possível ver a sola do sapato dela!

Por que o Brasil foi escolhido como o primeiro lugar para esta exposição nas Amércias?

A Fundação Hilma af Klint não tem como costume solicitar exposições – é mais uma questão de os próprios museus entrarem em contato conosco.

Hilma af Klint é bem conhecida e apreciada na Suécia e na Escandinavia hoje em dia desde a exposição no Museu da Arte Moderna em 2013 e sua recepção fantástica. Nosso objetivo agora é de expor Hilma af Klint no resto do mundo, em todos os continentes. Recebemos uma solicitação da Pinacoteca de São Paulo e julgamos interessante que Hilma af Klint pudesse ser comparada com outros artistos brasileiros.

Vice-Cônsul Peter Johansson e Johan af Klint na Pinacteca de São Paulo

Quais obras poderemos ver em São Paulo?

A exposição Hilma af Klint : Mundos Possíveis [Hilma af Klint : Possible Worlds] trará 130 obras do acervo da Fundação Hilma af Klint.

A exposição contém várias séries completas: entre outras a primeira série completa de quadros abstratos, chamada ”Urkaos” de 1906, a série “Átomo” de 1917 e a série com estudos sobre as religiões de 1920. O destaque será a série completa “Os Dez Maiores” que ela pintou em 1907 e cujos quadros gigantescos mostram as 4 fases da vida.

A exposição também trará vários quadros nunca antes exibidos para o público geral.

Quais são os planos do futuro para a Fundação Hilma af Klint?

A próxima exposição também será uma exposição separada. No dia 12 de outubro uma exposição retroperspectiva abrirá no Museu Guggenheim em Nova Iorque. 163 obras de Hilma af Klint serão exibidas.

Em novembro Städtische Galerie im Lenbachhaus em Munique abrirá a exposição World Receivers: Georgiana Houghton—Hilma af Klint—Emma Kunz. Será uma exposição comparativa sobre essas três artistas femininas que todas foram pioneiras na arte abstrata e simbolistica – e também profundamente ativas dentro do esoterismo.

Mais exposições emocionantes estão sendo negociadas no momento, para muitos anos para frente. Estas serão publicadas de acordo com as confirmações.

Quem tiver interese em ver mais obras de Hilma af Klints – onde é possível vê-las?

A Fundação Hilma af Klint não tem local próprio adequado e não atua como museu e, portanto, não temos a possibilidade de expor as obras nós mesmos.

A Fundação fez um acordo de cooperação de longo prazo com o Museu da Arte Moderna em Estocolmo. Este acordo assegurará que a Fundação receberá conhecimento especializado ao mesmo tempo que as obras de Hilma af Klints serão exibidas continuamente em Estocolmo, o centro cultural da Suécia e local de domicílio de Hilma af Klint. O Museo da Arte Moderna permanentemente exibirá uma selação de quadros de Hilma af Klint com a ambição de trocar a selação uma ou duas vezes por ano.

Atualmente 13 obras de Hilma af Klint são exibidas no Museu da Arte Moderna em Estocolmo.

Até as meadas de março um quadro também é exibido na galeria CF Hill na rua Västra Trädgårdsgatan em Estocolmo.

A entrevista foi realizada em sueco e traduzida para o português. O texto original permanece sendo o sueco.

Hilma af Klint: Entrevista com Johan af Klint e Hedvig Ersman